Um fóssil educacional que nasceu do repolho

Sou da geração de professores da década de 80, que fazia Colégio Técnico em Magistério – 3 anos de educação básica e mais 1 ano para especialização em educação infantil. Foram 4 anos de muita leitura, estudos e uma montanha de atividades desenvolvidas.


Foi no Magistério que tive contato com teóricos como de Darcy Ribeiro, Paulo Freire, Maria Montessori, Piaget, Vygotsky, Carl Rogers, entre outros nomes de peso da educação.


Tive o privilégio de ter uma professora que fazia pequenos grupos de estudos nos finais de semana. Ela nos cobrava leituras de livros, fazíamos fichamentos, cursos de técnicas artísticas, jogos, construção de materiais didáticos com sucatas, papel, isopor, papel machê, entre outros recursos.


Foi um curso muito rico e apaixonante, eu amava tudo naquele curso. Fui tão dedicada, que ao término, eu sabia que não poderia dar aulas em um colégio tradicional, pois eu deixaria alguma coordenadora ou diretora de cabelos em pé, pois em 1983, eu já não acreditava na educação tradicional, conteudista, seriada e apostilada.


É muito fácil desacreditar desse sistema fabril, basta ler os teóricos.


Eu amava a educação, mas nunca enviei um currículo para uma escola.


Parti para publicidade, onde caminhei por 20 anos como Diretora de Arte e posteriormente como professora universitária em cursos de comunicação social.


A educação nunca deixou de ser minha paixão, eu sempre fui voluntária em ONGs ou dava algum jeito de estar envolvida com educação.


Em 2010 escuto minha amiga Gladys, parceira de projetos educacionais, falar de uma vaga de emprego e logo me coloquei à disposição, mas me engasguei com a primeira pergunta: “Tina, onde você fez Pedagogia?”


Eu sempre tive orgulho de não ter feito Pedagogia. Eu acreditava que, conseguia olhar a educação por ângulos não formatados, pois eu não tinha passado pelo “moedor de carnes” chamado licenciatura.


Não tive como escapar, em menos de uma semana estava matriculada em uma universidade. E lá fui eu encarar mais uma graduação.


Confesso que não foi fácil, depois de 27 anos como educadora, com ideais muito distantes da educação tradicional, passar por uma licenciatura. Exercia diariamente os conselhos do educador Tião Rocha: ”temos que ser insistentes, persistentes e resistentes”.

Foram centenas de horas em aulas teóricas, montanhas de apostilas para ler, decorar e colocar o Xizinho no quadradinho certo, estágios e atividades complementares.


Eu poderia passar horas escrevendo as inutilidades e incongruências deste curso, mas quero dar destaque ao lado positivo, ao meu maior ganho em ter feito Licenciatura em Pedagogia.


Eu tive uma gigantesca aprendizagem durante o curso. Ela foi tão marcante, que uso em quase todas as aberturas de fala, quando sou convidada para algum evento sobre educação.


No início do 3º ano de Pedagogia, tive uma matéria que abordava as teorias de algumas metodologias:

- Freiriana (Paulo Freire 1921-1997)

- Waldorf (Rudolf Steiner 1861-1925)

- Reggio Emilia (Loris Malaguzzi 1920-1994)

- Montessori (Maria Montessori 1870-1952)

- Humanista (Carl Rogers 1902-1987)

- Construtivista (Jean Piaget 1896-1980)

- Sociointeracionista (Lev Vygotsky 1896-1934)

- Tradicional


Pois foi neste ponto que uma bomba explodiu dentro da minha cabeça. O livro didático não atribuía a criação da metodologia do ensino tradicional para ninguém. Não havia citação de nenhum nome e não havia nenhum embasamento teórico científico para defendê-la.


O livro citava algumas características da metodologia, falava do Iluminismo, do modelo francês, da revolução industrial, do modelo fabril/fordista, e como ele foi benéfico para fornecer rapidamente operários para as fábricas.


Depois de muita pesquisa, encontrei o nome do Herbert (1766-1841) como um dos fomentadores dessa metodologia. Você já ouviu falar em Herbert? Não? Nem eu.


A metodologia de ensino tradicional nasceu do repolho. É um fóssil sem pai, nem mãe. Quem pariu, deve ter vergonha, mas quem faz perpetuar é a Síndrome da Gabriela.


Sem nenhum embasamento teórico científico que a defenda, uma metodologia comprovadamente fracassada por gerações e com estruturas que não estão em acordo com a lei vigente no Brasil (LDB). Por que os educadores continuam a maquiar e jogar perfume nessa educação conteudista, fragmentada, com aulas e provas vazias de aprendizagem, formatada, homogeneizadora, seriada, apostilada, que exige uma memória sobrenatural e trata o aluno como depositário passivo e dependente do saber do professor?

 

Terminei o curso de Licenciatura em Pedagogia, o diploma chegou e a sensação de que nunca poderia enviar um currículo para uma escola não voltou, pois desta vez havia uma esperança, pois no Brasil há escolas dentro da lei e da ciência e fui ao encontro delas. Até hoje faço parte de movimentos que fomentam a transição do paradigma da ensinagem, para o paradigma da aprendizagem.

 

E possível fazer diferente. Que o velho normal da educação, nunca mais volte.

 

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Imagem: pexels.com - cottonbro

 

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Comentários

  1. Muito boa (literária, talvez?) a chamada para o absurdo desse "filho sem pai nem mãe", que nasceu do repolho: ao mesmo tempo "neutro" (um elemento da natureza) e "mecânico" - reproduzido ciclicamente desde a origem.

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    1. É reproduzido pela Síndrome da Gabriela, você não acha? A educação nem sempre foi como a conhecemos hoje.

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