A professora que não ensinava ‘nada’

A professora que não dá aulas, que não ensina ‘nada’, mas que os alunos aprendem muito.

Em mais de duas décadas que atuo como professora em universidades, poucos foram os períodos que fui obrigada a dar aulas formais, expositivas e com conteúdo declamado por mim.

Sempre que posso, evito dar aulas, pois chega a ser humilhante a comparação do aprendizado dos alunos que tem aulas expositivas, com os alunos que não tem aulas expositivas.

Alunos de instituições com aulas expositivas são dependentes da resposta pronta para ser reproduzida, incapazes de solucionar problemas complexos e acomodados na passividade de um receptáculo de conteúdos. Não são responsáveis por sua aprendizagem, logo tudo que não aprendem é culpa do professor ou da instituição. 

A percepção de que estão aprendendo pouco, gera uma enorme insegurança, expressa por vezes, com agressividade.

Em contraponto, os alunos que não tiveram aulas expositivas, mas sim processos de desenvolvimento de projetos de aprendizagem complexos, interdisciplinares ou transdisciplinares. “Além da aquisição do conhecimento de competências, conteúdos e conceitos clássicos, os alunos aprenderam a não somente memorizar a resposta certa, mas descobriram os caminhos para encontrar respostas certas e erradas na diversidade.” [CARVALHO, 2018] 

Ao aprender fazendo, os alunos passam a ser capazes de avaliar e solucionar problemas, encaram os erros como parte do processo, são persistentes na busca de um resultado e a autonomia gera mais confiança. Percebem-se protagonistas e responsáveis por sua aprendizagem.

A Aprendizagem por Projetos propicia um desenvolvimento intelectual, emocional, de competências e habilidades necessário para os futuros profissionais.
A Aprendizagem por Projetos parte de um problema real a ser solucionado. O professor não mais oferece a resposta pronta, mas cria desafios que provoquem a curiosidade e interesse do aluno. Esse processo modifica a percepção do aluno sobre seu papel na aprendizagem e em seu meio social. A conexão teoria/prática é adquirida através de um processo de gestão de projeto, que abrange a pesquisa, investigação, análise do problema, planejamento, desenvolvimento, experimentação e aplicação do projeto, proporcionando uma utilidade às teorias e agregando valor aos conceitos. Além dos ganhos científicos e acadêmicos, há um ganho em competências e habilidades, proporcionando uma aproximação do processo de aprendizagem, com uma vivência de um ambiente profissional. Estimula a criatividade, o senso crítico e o pensar complexo. [CARVALHO, 2018]

Irei contar 3 causos relacionados para ilustrar o exposto.

1º CAUSO

Era o primeiro dia de aula de informática, com uma nova turma de Pedagogia. Dia de conhecer a professora, os alunos e o conteúdo da disciplina.
Como não curto me apresentar formalmente, declamando meus títulos, sempre peço para os alunos perguntarem o que realmente querem saber.
Perguntaram meu nome... a quanto tempo dava aulas naquela instituição... até que Legislaine questiona: “Quais os cursos que você fez, que te habilita a dar aula de informática?”
Propositalmente, eu dei uma resposta enxutíssima e direta: “Nenhum”.
Com um olhar indignado, a aluna engatou uma segunda excelente pergunta: “Então o que você pretende nos ensinar?”
Outra resposta enxuta, para provocar um pouco mais: “Nada”.  
Neste momento, as conversinhas paralelas surgiram de uma forma inaudível, mas os olhares de espanto e raiva diziam muito.
Para reforçar minha posição, repeti e complementei: “Não pretendo ensina-los nada, pelo simples fato de que eu não acredito em ‘ensinagem’, mas farei muita coisa para que no final do semestre, vocês tenham aprendido muito de informática”.
E no final do semestre, a turma aprendeu muitas ferramentas da informática, além de diferentes métodos de educação inovadores no Brasil e no mundo.

2º CAUSO

As provas do primeiro bimestre já haviam passado, quando de repente um aluno novo aparece na aula de Produção Gráfica para o curso de Jornalismo.
O Mauro se apresentou, e quando percebeu que estávamos produzindo uma Newsletter, ele disse que poderia fazer uma, pois trabalhava em produção gráfica fazia mais de 5 anos.
Se ele sabia fazer, não faria sentido eu solicitar que ele fizesse algo que já sabia fazer.
Perguntei o que ele gostaria de aprender, e após pensar um pouco, ele disse que adoraria aprender HTML. Eu sorri e disse que ele aprenderia HTML. Espantado ele me perguntou: “Professora, você sabe HTML?” Sorrindo respondi que não sabia, mas conseguiria alguém para vir orientá-lo. E na semana seguinte, duas alunas (Camila e Juliana) de Design Gráfico vieram estar com ele.
No final do semestre, a turma aprendeu a desenvolver materiais gráficos e este aluno, feliz da vida, aprendeu HTML e construiu um site para o negócio da esposa.

3º CAUSO

No inicio deste ano, Letícia, uma ex-aluna me agradeceu, pois acabara de ser aprovada em um difícil processo seletivo de emprego em uma construtora. Ela escreveu: “Aquele orgulho de chegar num emprego novo e poder falar sobre um assunto que fui tão bem ensinada. Obrigada pelas aulas de sinalização ambiental e acessibilidade!”
Fiquei muito feliz pela conquista daquela doce jovem que ainda estava cursando o 3º semestre de Design Gráfico, mas forcei a minha memória para lembrar se eu havia dado alguma aula expositiva para a turma dela, e com a certeza de nunca ter dado uma aula expositiva nos 3 semestres, respondi: “Eu não te ensinei nada, só dei os caminhos para que você aprendesse. Você que foi uma excelente aluna e topou andar por caminhos desconhecidos.”

A professora que não ensina 'nada', apresenta caminhos, ferramentas e alternativas. 'Ensina' que o aluno é capaz de ser autônomo. 'Ensina' o aluno a acreditar em seu potencial.

Aprender por Projetos, requer coragem... e aceitar uma professora que não dá aula e não ensina ‘nada’ também.

Tenho muito orgulho dos meus alunos que aceitaram andar por caminhos desconhecidos. Aventuraram-se em processos obscuros e quebraram paradigmas de um sistema educacional falido.
CARVALHO, Ana Cristina N. de. APRENDIZAGEM POR PROJETOS: uma alternativa à desfragmentação da educação universitária. Trabalho de Conclusão de Curso – MBA em Gestão de Projetos - Centro Universitário Estácio de São Paulo, 2018

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Comentários

  1. Sensacional!!!
    Adorei sua visão da aprendizagem recíproca, colaborativa, autônoma.
    Não sou jovem, não sou professora, tenho alma de educadora e planejo desenvolver projetos de autoconhecimento e auto expressão com adolescentes.
    Iniciei esse caminho, recentemente, fazendo cursos sobre educação emocional.
    Em algumas experimentações piloto, tenho encontrado moças e rapazes adormecidos...
    Pesquisei o "Românticos Conspiradores", cujo nome já me define totalmente, e adorei!
    Vamos seguindo...
    Grata pelo seu texto e seu ativismo!!!

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    1. Que relato lindo Maria,
      Desejo-lhe muito bom ânimo.
      Se precisar de alguma ajuda, pode entrar em contato.
      Grata!

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  2. Não gosto de como o Brasil ensina, onde você copia a resposta como está escrito no livro, leva a nota e virando o bimestre não faz ideia do que escreveu na prova.

    Acredito na importância de inspiração, e estimulo a curiosidade, mostrando as ferramentas necessárias para encontrar as resposta sozinho, pois ao fazer o esforço para encontrar o problema e o contexto, te abre a mente para encontrar a solução (ou a resposta), e dessa forma sim é aprendizado. Entender a situação por completo te faz um conhecedor do assunto e gera um conhecimento para a vida toda.

    Brasileiro tem mania de pegar respostas prontas, e achar que é o dono da verdade. Não se pode julgar alguém sem entender os dois lados e o contexto.

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    1. Há muito o que transformar nesses sistema educacional, não é Endriu? Ter a consciência dessa necessidade de mudança, já é um bom primeiro passo. O segundo passo, poderia ser estudar a ciência da educação e as leis. Depois é só colocar em prática os estudos e as leis. :D

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