... e sem perceber, você se tornou uma Quenga Pedagógica
Passou alguns anos de sua
vida em um curso de Pedagogia ou alguma Licenciatura. Outra opção foi o Bacharel, depois pós e quem sabe um mestrado e doutorado.
A Pedagogia foi um longo percurso estudando, pesquisando, lendo e
desenvolvendo projetos sobre os mais sensacionais teóricos da ciência da educação como Carl
Rogers, Henri Wallon, Lev Vygotsky, Célestin Freinet, John Dewey, William H. Kilpatrick, Maria Montessori, Edgar
Morin, Rubem Alves, José Pacheco, Lauro de Oliveira Lima, Anísio Teixeira,
Paulo Freire, Tião Rocha, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, entre outros. Teorias como Construtivismo, Humanismo, Sócio-interacionista,
Waldorf, Reggio Emilia, etc.
Era tanto conteúdo encantador e todos
esses estudos sempre apontavam para uma educação que respeitava às necessidades dos
alunos e sua individualidade. Havia um olhar humano, que levava em conta o ritmo e a curiosidade de
cada um. Estimulando a autonomia, o protagonismo, o pensamento crítico e a criatividade do aluno. Não se falava em fragmentação dos saberes, instrucionismo, conteudismo, padronização, linha de montagem, nem em defesa do pensamento reprodutório.
Ahhh.... Como a educação é linda.
Para cumprir as exigências do curso de Pedagogia, consegui estágio em uma escola com uma proposta
sensacional. A escola se vendia com uma bandeira inovadora, por ter adotado uma
metodologia europeia, onde tudo era baseado em artes e sustentabilidade.
Lá fui eu em meu primeiro dia de estágio. Entrei em
uma sala de crianças de 4 anos e me sentei em uma cadeirinha no fundo da sala,
puxei meu caderninho de anotações e comecei a registrar o que acontecia, pois
teria que fazer um relatório.
Esforcei-me para manter a serenidade em minha face, apesar de ver crianças muito inquietas, sentadas ao redor de mesas, tendo que cumprir uma tarefa sem sentido de uma apostila de um grande grupo educacional. A professora, com muita doçura se esforçava para controlar a pequena turma e fazer com que as crianças copiassem a resposta da lousa na apostila. Sem sucesso, ela foi de criança em criança para ajudá-las.
Esforcei-me para manter a serenidade em minha face, apesar de ver crianças muito inquietas, sentadas ao redor de mesas, tendo que cumprir uma tarefa sem sentido de uma apostila de um grande grupo educacional. A professora, com muita doçura se esforçava para controlar a pequena turma e fazer com que as crianças copiassem a resposta da lousa na apostila. Sem sucesso, ela foi de criança em criança para ajudá-las.
Na hora do lanche a doce professora chegou até mim e
fez meia dúzia de perguntas para me conhecer um pouquinho. Dei respostas concisas, pois eu estava
encabulada, mas foi o suficiente para a professora perceber que eu acreditava e vivia uma educação diferente. - Texto recomendado: A professora que não ensinava 'nada'
No dia seguinte, o ritual se repetiu. Cheguei na
hora da apostila. Sentei e observei a frustração do processo.
Na hora do lanche a professora pediu que eu ficasse
em sala. Ela sentou do meu lado e com a voz baixinha fez uma pergunta bem
direta. “Você acredita no que acontece aqui?”. Ai, caramba. Eu lentamente
baixei a cabeça, levantei a cabeça, olhei em seus olhos, respirei fundo e dei
um sorriso sem graça. A professora começou a chorar e me pediu ajuda. Eu a
abracei e disse que havia alternativas.
É uma tragédia a educação se olhar no espelho.
A aprendizagem só acontece quando há encantamento, mas a imposição sequenciada por uma apostila torna tudo enfadonho.
Você sabe que o mundo real lida com saberes complexos, mas você aceita a fragmentação.
O ingrediente mais importante deveria
ser a curiosidade do aluno, mas o sistema traz uma sequencia pré-determinada.
Cada aluno tem um ritmo, mas a esteira da linha de montagem não para.
A educação dos pequenos deveria se basear em atividades lúdicas, mas você aplica uma apostila.
Você sabe que a individualidade deve ser respeitada,
mas na sala há 15, 20 ou 30 alunos... e este número pode ultrapassar 100, quando falamos
de universidades.
Seus alunos precisam desenvolver o pensamento crítico e complexo, mas você só os faz decorar o que vai cair na prova.
A finalidade da educação deveria ser o aprendizado do aluno, mas a nota é mais importante, logo não importa se o aluno aprende, só importa que ele coloque o Xzinho no quadradinho certo.
Você sabe como instigar a curiosidade de seus
alunos, mas você tem que cumprir o roteiro.
Você, de mãos atadas, finge que ensina e seus alunos fingem que
aprendem.
Sem perceber, você se enquadrou em um sistema educacional ineficiente e hoje você contribui para que o Brasil continue entre os 10 piores países no mundo em educação. (ranking do PISA)
A dor de se perceber prostituindo seus princípios é devastadora.
"Ela acreditou que poderia mudar o mundo, então se tornou professora. Ela só esqueceu de mudar a si mesma, e por isomorfismo reproduz uma educação conteudista e fabril, com aulas, apostilas, carteiras enfileiradas, provas e condenou a escola à parar no tempo. Hoje, ambas estão presas ao século XIX."¹
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Link relacionado: Os gigantes professores estão mortos por dentro de pequenos corpos vivos
Foto de Engin Akyurt - em www.pexels.com
¹ Adição posterior. Uma citação de outro texto meu de 2021
Deixe seu comentário ou dúvidas. ⬇
Perfeita como sempre Tina...
ResponderExcluirObrigada pelo carinho Celle. Que bom saber que você gostou.
ExcluirA verdade nua e crua da atualidade da educação
ResponderExcluirQue triste... O primeiro passo para a mudança, é a conscientização, não é mesmo?
ExcluirO pior, é ter q receber ordens de pessoas q nem pedagogia fizetam
ResponderExcluirSe quem estudou Pedagogia está mandando mal, imagina quem nem sabe quem é Morin, Wallon ou Freinet.... depois ninguém entende porque o Brasil vai tão mal em educação.
ExcluirEsse texto me abraça! Caminhando na angustia de me ver reproduzindo uma escolarização e na potencia do apreender a apreender, na criação de espaços educativos (uma educação possível e democrática).
ResponderExcluirTodos os dias me pergunto, onde professores entusiasmados com uma educação possível criam com estudantes espaços educativos dentro da escola.
Fortalecer essa rede de educadores talvez seja a trilha para estarmos mais atentos e corajosos nessa caminhada.
Ainda que pareça distante essa educação possível ela ecoa e causa rachaduras nos muros das escolas.
É cada rachadura... Percebo muita gente desnorteada.
ExcluirFui ensinada a não deixar as crianças falarem
ResponderExcluirA me sentir ofendida com o barulho, com o movimento do corpo de alguém, enquanto eu, com raros intervalos, palestro sobre a aventura do conhecimento.
Conhecimento que me dá o título da palavra, o poder da palavra, o poder de autorizar ou não um pensamento, uma criatividade, um comentário.
Eu fui ensinada a ordenar um rebanho, eu fui ensinada a não permitir que as crianças se decidam ou se organizem.
Fui ensinada a controlar o tempo, a controlar a sede, a controlar a vontade de fazer xixi, controlar a vontade de falar, de levantar e de sentar.
Fui ensinada a controlar a leveza, a controlar o desejo, controlar o rir.
Fui ensinada a ser temida, a punir a ousadia, a curiosidade,
a punir um sonho, uma verdade, uma vontade.
Fui ensinada a nomear um outro;
burro, desinteressado, agitado, mal educado, inteligente, malandro, preguiçoso, mal caráter.
Fui ensinada a me comportar como dona das pessoas e das palavras.
Mas eu, não era assim.
As crianças foram ensinadas a ficarem em silêncio, pois não teriam o que dizer. Foram ensinadas a não falar e mascarar seus sentimentos.
Foram ensinadas que não sabem e que não poderiam ensinar.
ensinadas que são irresponsáveis e ainda incapazes de conhecer o mundo.
as crianças foram ensinadas a serem assim, mas, não eram.
Larissa querida, este é o outro lado da mesma moeda. O sistema nos transforma em Quengas Pedagógicas, mas o corrompimento sutil tem início nas universidades, que nos prepara para a "quenguisse"
ExcluirA eterna reprodução de fingir que se ensina ou aprende, rodeados por tantos significados(conceitos) perdemos a significância.
ExcluirParece que estamos sempre imitando um ensino jesuíta.
Tanto tempo aprendendo a ser quenga pedagógica... encucada na "ensinagem" que não ressoa pra ninguém.
Larissa, você já escutou o Prof José Pacheco falar sobre o isomorfismo na educação?
ExcluirFoto retrato do q vc expressa a tristeza que esta vivenciando x alegria que tem preciosa de ser professora e vivenciar a ótica na sala de aula tendo a partipação do aluno no apaixonante processo de aprendizagem de maneira tal que possamos adequa-lo segundo as suas necessidades para construção do saber vidas e estabelecer a equaçâo do aprendizado Comgratulations
ExcluirLiberdade
Libertas qua sera tamem
ProfAudician
Mestre em Relações Internacionais
profaudician@
yahoo.com.br
Grata pelo carinho, Prof Audician
ExcluirTriste realidade!
ResponderExcluirLindo texto!
Concordo... É uma triste realidade.
ExcluirGrata por seu comentário.
Como se soltar das "amarras"? Como soltar os demais? Como expor aos demais que os mesmos estão amarrados? Como soltar das amarras aqueles que amarram os amarrados?
ResponderExcluirA aprendizagem por projeto, auxilia num primeiro momento não a "solucionar", mas sim a encontrar os "problemas", instigar, refletir, gerar dúvidas, incertezas, mas também lhe expõem o potencial para encontrar as respostas... São caminhos "individuais" e que geralmente culminam em uma rede concisa de troca de vivências, em outras palavras é algo que se inicia dentro de você e contagia mais pessoas, pois o pensamento e saber são complexos.
Estamos em uma situação difícil (mas não impossível) onde se lermos os comentários, perceberemos que por vezes vivenciamos e logo reproduzimos repressão, opressão, ferimos constituições, direitos e a lista pode ser grande, iniciamos isso nas salas de aula ainda na infância, mas graças a isso, a coisa acontece ainda antes, nas próprias casas... O colonizador antes foi colonizado, o capataz antes foi escravo... Se lermos o texto ao invés dos comentários, perceberemos que, uma solução deve ser aplicada 1. nas salas de aula; 2. no topo dessa pirâmide que dão as diretrizes para os que estão na sala de aula; 3. pais que sequer compreendem que a criança errar, se machucar, etc. faz parte da aprendizagem e que o professor(a) "não ensinar" não é algo ruim, muito pelo contrário.
Citaram um ensino jesuíta, tendemos a olhar mais para os modelos eurocêntricos e norte-americanos do que por exemplo africanos, na africa a transmissão do saber se dava principalmente através do diálogo, da contação de histórias, é um modelo "humano", (ainda) somos humanos, deveríamos olhar mais para as possibilidades.
Parabéns pelo belíssimo texto e por expor de forma tão apaixonada e apaixonante que é necessário transformar.
Diego, meu querido amigo... uma vez li um texto com um título que diz muito sobre seus questionamentos: "O medo de ser livre, provoca o orgulho em ser escravo".
ExcluirLiberdade, implica autoresponsabilidade.
Quantos estão desejosos de ser responsáveis por suas escolhas e consequências? Quantos professores querem ser responsáveis pelo sucesso ou fracasso de seus alunos? Quantos alunos querem autonomia para serem protagonistas de suas aprendizagens e por consequência, responsáveis por seu sucesso ou fracasso? Na Zona de Conforto é permitido colocar a culpa de seu fracasso no outro.
Cobrei de meus alunos universitários um conhecimento simples ensinado no Ensino Fundamental - proporcionalidade (redução de uma forma geométrica). Meus alunos entraram em festa, rindo e comemorando, pois na escola pública eles não tiveram geometria.
O "culto a ignorância" se tornou uma epidemia social e ela coloca em questão nossa humanidade. Ainda somos humanos? Sabemos ser empáticos? Exercemos o respeito ao próximo? Ou estamos entretidos festejando o “pão e circo”?
Ótima resposta e reflexão. Vou pesquisar sobre esse texto que você citou...
ExcluirAté que ponto eles estão na zona de conforto por espontânea vontade? Pois dentro de tudo que acompanho de sua visão, observo que eles são o literal fruto de todo esse processo, tanto professores quanto alunos, a escola e as instituições não são humanistas, infelizmente, pois tenderiam a aprender muito com isso, a exemplo da mesma faculdade que você citou em outro texto, observar o que é o melhor para o ser humano, o que é melhor para todos é um grande passo para sanar diversas questões que assombram a edução e logo a nossa sociedade como um todo, uma educação igualitária e dentro de sua visão da aprendizagem é um sonho que ao se transformar em realidade mudará a vida e a qualidade de vida em todos os aspectos, isso é muito maior do que nossos próprios medos, e sua pergunta é crucial: "Quantos professores querem ser responsáveis pelo sucesso ou fracasso de seus alunos?" - pelo sucesso, talvez todos, pelo fracasso, nenhum, mas a reflexão mais profunda a se fazer nesse ponto é a de que a partir do momento que você decide ser professor, a responsabilidade já está em suas mãos, você já tomou essa decisão antes mesmo de pisar em sala, com isso, se o professor não assume efetivamente esse papel responsável diante da escolha que ele já havia feito ele já estará assinando o fracasso de seus alunos, eu mesmo só fui aprender sobre autonomia em toda a minha vida educacional quando participei de suas aulas, o aluno tem papel fundamental sobre sua própria autonomia como você disse acima ele tem que "querer", mas essa chama só é acesa nele através de vocês, se você tivesse assumido uma postura diferente em sala, tenho plena convicção de que não estaríamos nem perto do que somos hoje e olha que nem estou falando do nível profissional e sim do humano, essa "responsa" você não assumiu em sala e sim quando decidiu olhar a edução com outros olhos, o culto a ignorância nos levará a um ensaio sobre a cegueira. Todas as demais indagações que você levantou imagino que irão culminar ao mesmo ponto, o objetivo daqueles no topo da pirâmide sempre foi dividir para conquistar (e preservar a conquista), isso nos dispersa as forças, não nos dá tempo para refletir, questionar, nossa cara é como transformar esse jogo.