A incongruência da avaliação na educação

Para falar de avaliação, primeiro preciso falar de autonomia e pensamento crítico. Conceitos lindos, com amplo destaque em todos os PPPs e PPCs das escolas e universidades.


Autonomia: “capacidade de governar-se pelos próprios meios.” Antônimo de autonomia: “dependência e servidão.” ¹

Autonomia sempre deve estar associada a responsabilidade. Segundo a minha amiga educadora Maria Regina Potenza, "autonomia é a capacidade de tomar decisões individuais, com consciência social e se responsabilizar pelas consequências, sejam elas acertadas ou não."

 

Pensamento crítico: “é um julgamento propositado e reflexivo sobre o que acreditar ou o que fazer em resposta a uma observação, experiência, expressão verbal ou escrita, ou argumentos.” ²

 

Gosto do exemplo de amarrar os cadarços dos tênis. Um dia, alguém virou para mim e disse: “Se vira. Amarra você mesma”. Devo ter ficado bem chateada com essa resposta, pois estava acostumada a depender de alguém para amarrar meus cadarços. Provavelmente as primeiras tentativas foram extremamente frustrantes, mas depois de muitos erros, eu consegui governar pelos meus próprios meios.

Quem antes me mantinha em um ambiente de dependência, mesmo sabendo da minha inabilidade com os cadarços, acreditando em meu potencial e forçando o desenvolvimento de minha coordenação motora, se afastou e contemplou minha angustia, sabendo que não há aprendizagem sem esforço, me deixou espernear, até a vitória da conquista autônoma chegar... e ela chegou... até hoje eu sei amarrar meus cadarços.

 

Avaliação: “valor determinado por quem avalia.” ¹

 

Só essa definição já me causa náuseas.

 

Como gerar autonomia em um processo que gera dependência?

 

Avaliações são métricas que ranqueiam e separam os melhores, dos piores, os que fizeram, dos que não fizeram. E ignoram questionamentos como: Os melhores em quê? Não fizeram por quê?

 

É possível avaliar um peixe por sua capacidade de subir em uma árvore, sem levar em conta o contexto? Qual a relevância em subir na árvore para o peixe? Como disse minha amiga Paula, “avaliar é criar guerras”, pois o macaco sempre se achará superior ao peixe. ³

 

Muitas vezes o que se mede é a capacidade de burlar o sistema e colar. Um sistema que incentiva a malandragem, o jeitinho brasileiro e a lei de Gerson.

E os que não têm a “habilidade” de colar? Que tenham a sorte de ter boa memória, caso contrário, terão que lidar com ansiedade, frustração, angustia, aflição, medo, choro, tremores, insônia, desarranjo intestinal ou irritabilidade, entre outros problemas.


A avaliação educacional como conhecemos, está longe de ser formativa, de gerar autonomia ou pensamento crítico. Ela mais se presta para ranquear, controlar ou punir.

 

A solução é eliminar a avaliação do sistema educacional? Não, mas ela pode ganhar uma ressignificação funcional, deixando de ser um valor determinado por quem avalia e passando a ser um processo de aprendizagem que gere autonomia e pensamento crítico.

Um registo processual de evidências de aprendizagem, para gerar autonomia, não pode ser imposto pelo tutor, mas deve ser refletido pelo aprendiz, sub a orientação do tutor.

É mais importante que o aprendiz desenvolva e gere uma percepção de onde acertou, onde precisa se dedicar mais e onde errou, com um olhar analítico e crítico, do que viva dependente de que o outro (mãe, pai, tutor, professor, mentor, etc) aponte o dedo para tudo isso.  

 

NA PRÁTICA

Um resumido exemplo de “avaliação” dos projetos de meus alunos de arquitetura e como é possível o professor não atribuir valor, mas gerar aprendizagem com autonomia durante esse processo.

1 - Durante a elaboração dos projetos, eu fazia apontamentos sobre o processo e os alunos faziam registros desse processo.

2 - Projetos finalizados e entregues.

3 - Eu lia e fazia meus apontamentos. Eles serviriam como guia para a próxima etapa.

4 – No dia da devolutiva, eu colocava o projeto na frente do grupo de alunos e perguntava:

a) O que vocês destacam como os pontos mais fortes desse projeto? O que deu muito certo e vocês ficaram satisfeitos com o resultado?

b) Onde vocês precisam se dedicar mais? Pontos que não ficaram como vocês gostariam?

c) Quais etapas vocês esqueceram ou deu errado?

d) Quais foram as maiores conquistas desse projeto? Quais aprendizados vocês adquiriram?

Durante este processo, eu ficava atenta aos meus apontamentos e eram eles que guiavam a minha “enxurrada” de perguntas, que provocavam reflexão.

Seria muito mais rápido e simples eu apontar o que deu certo e o que deu errado, mas assim os alunos ficariam dependentes do meu olhar, só que eles não iriam me carregar junto com o diploma.

 

Que os PPPs ou os PPCs sejam cumpridos e cada vez mais as avaliações deixem de gerar pessoas dependentes e passem a gerar pessoas autônomas e com pensamento crítico.

 

“É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática.” Paulo Freire

 

 

¹ Definições de Oxford Languages

² Wikipédia

³ O Povo contra o Sistema Escolar

 

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Esse texto eu dedico à minha amiga, provocadora e educadora Paula Vieira. Uma incrível parceira como formadora no Aprender em Comunidade 2.

 

Textos relacionados ao tema: Seu foco é nota OU aprendizado?; Na escola do futuro NÃO haverá provas; 570 provas para passar no vestibular; Como seria a educação sem chamada e nota?

 

Imagem: João Vaz de Carvalho - Lições de voo 25

 

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