Como seria a educação sem chamada e nota?

Você aprendeu a dar o lacinho no tênis porque valia nota?
A praia, a piscina, os parques ou os shoppings centers precisam fazer chamada para garantir a assiduidade de seus frequentadores?

Se as escolas e universidades, em um repente de lucidez, abolissem a chamada e as notas:
- Que tipo de pais de aluno vocês seriam?
- Que tipo de aluno você seria?
- Que tipo de universitário você seria?
- Que tipo de professor você seria?

CHAMADA
A presença física, pode não despertar a prontidão para a aprendizagem.
Para que haja aprendizagem, é necessário engajamento, empenho, dedicação, esforço, desejo, emoção, empolgação, curiosidade e encantamento.
A chamada é o mais poderoso instrumento infantilizador e controlador do sistema educacional. Em nada contribui para o processo de aprendizagem e chega a ser mais inútil que a nota.
A infantilização do processo de aprendizagem, saqueia a consciência da autorresponsablidade do aprender. 
Os alunos vão para a escola para responder a chamada e tirar nota. Isso é mais "importante" e chato do que aprender algo novo.
Costumo escutar algumas defesas para a chamada. Uma delas é que se não houvesse chamada, não teríamos alunos em sala de aula. Este é um atestado de que a educação está muito chata, mas é uma afirmação correta. Acredito que não teríamos os alunos que não querem aprender, mas os que querem, estariam ávidos por novos conhecimentos.
Outro argumento que escuto frequentemente, é que a presença é usada como álibi por advogados de estudantes jovens que são investigados por crimes cometidos no período que deveriam estar em sala de aula. Primeiramente, os advogados só buscam as listas de presença, porque elas existem. Em mais de 20 anos atuando como professora universitária, eu só vi um aluno que cometeu um crime e seu advogado usou sua suposta presença na aula como álibi, mas não deu muito certo, pois as catracas e câmeras da faculdade não tinham registro de sua entrada ou saída da faculdade naquele dia.  
Chamada na universidade:
Falar de chamada em universidade é algo mais constrangedor, pois infantilizar jovens e tratá-los como se tivessem menos de 10 anos de idade, é bizarro.
Quem escolheu fazer um curso universitário? Quem está pagando para adquirir conhecimento?
Se o aluno está fazendo um curso universitário, é porque tem a intenção de se profissionalizar. O interesse em estar presente deveria ser do aluno, não? Por que este aluno deve ser tratado como uma criança de 6 anos e ter a sua presença exigida e a falta passível de punição?
O que acontece se o aluno universitário não vai para a aula? Ou vai por imposição e medo das consequências de suas faltas excessivas? O controle da presença força o jovem a estar de corpo presente no espaço de sala de aula, sem importar sua dedicação ou empenho, se está embriagado, assistindo uma série no celular ou batendo papo pelo WhatsApp, sua mente não está presente. Nos dois casos, igualmente ele não se conecta aos novos conhecimentos. Prejuízo de quem? Do aluno.

NOTA
A boa nota em uma prova pode ser gerada por uma memória volátil, ou mesmo por uma cola bem elaborada.
A nota de uma prova não reflete o que o aluno aprendeu, mas sim o quanto ele memorizou até aquele instante de fazer a avaliação. 
Dica para professor: experimenta aplicar a mesma prova, 4 semanas após a aplicação oficial e sem aviso prévio. As notas jamais serão as mesmas.
Gosto muito de citar uma teoria de Rubem Alves, que a aprendizagem deveria ser medida após o esquecimento fazer o seu trabalho. O que seriam das provas se elas fossem aplicadas de surpresa, um ano e meio após uma aula dada? Essa pergunta me suscita outro questionamento: Para quê aula? Recomendo a leitura de dois textos: “Hoje, não se ensina nem se aprende” [José Pacheco] e ‘Ensinagem’ é o ópio da educação
Eu trocaria todo nosso sistema falho de avaliação por:
- Eu aprendi – Quando o aluno sabe aplicar/fazer algo com autonomia.
- Estou aprendendo – Quando o aluno ainda não é capaz de aplicar/fazer algo com autonomia. O aluno está em processo de compreensão e precisa de ajuda em algumas etapas específicas para aplicar ou fazer algo.
- Eu não aprendi – Quando o aluno não entendeu e necessita passar por novos processos de interação com o conteúdo.

Que tipo de aluno você seria sem chamada e nota?
Fiz essa pergunta para alguns alunos universitários e as respostas foram previsíveis:
- Dos alunos dedicados e aplicados, as respostas foram no campo de que nada mudaria: “Eu continuaria vindo para a faculdade e fazendo os projetos normalmente, afinal estou aqui para adquirir conhecimento”. 
- Em contrapartida, outros alunos expressaram que nunca mais apareceriam na faculdade.
Como deve ser dolorido e pesado frequentar uma faculdade por 4 ou 5 anos, dentro de um movimento vazio e sem propósito, pela mera obrigação de falar “presente” e de colocar o Xzinho na resposta correta. Apostam que seu destino profissional mudará com o diploma na mão, mas este diploma não estará atrelado a uma bagagem de conhecimento. Será um diploma oco.
Tenho o costume de recomendar para estes alunos, que ao término do curso, busquem uma empresa de molduras e peça para emoldurar seu diploma com uma moldura larga, de 3 ou mais centímetros, pois se o diploma servirá para pegar poeira, que pegue com decência. 
Um tempo de juventude desperdiçado. 

Texto recomendado para alunos: Seu foco é nota OU aprendizado? Texto recomendado para professores: ... e sem perceber, você se tornou uma Quenga Pedagógica

Fonte da foto: https://www.pexels.com/pt-br 


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Comentários

  1. O texto vai firme e forte contra a cultura e o modo operacional vigentes.
    De fato, as perguntas tocam o nervo de dois instrumentos de controle seculares que fazem parte de um mecanismo ainda mais complexo que a educação em nosso país (arrisco dizer, na maioria do planeta?!).
    Se partirmos de que aprender é um ato deliberada da vontade de um ser humano cônscio e em progresso em suas habilidades e vocação. Estes dois mecanismos não fazem sentido. Sua existência, embora não seja inócua, não abala seu processo vitalício em curso.
    Por outro lado, a educação da títulação formal age pelas raias destes dois instrumentos que reúne num mesmo aprisco dois ou muito mais rebanhos distintos: os que comentei primeiramente acima - por alternativas inexistentes; e outros com classificações entre os desinteressados contumazes e os pragmáticos que sob coerção ou conformidade condicionada se submetem por metas que não se alinham com o aprendizado em si.
    Penso que a educação obrigatória na educação fundamental e com vistas ao acesso ao mercado de trabalho como motivação retroalimentam-se desses métodos.
    O orientador e o aprendiz precisam e até certo ponto podem muito repactuarem juntos uma volta nisso tudo.
    Ao primeiro, desenvolver metodologia que permitam encorajar e incentivar o aprendiz. Ao segundo, encontrar com motivos vocacionais que demandem dos orientadores uma dinâmica que os ajude na marcha de aprender para a vida e não para um sistema fechado marcado por presença-nota-diploma-status social.

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